Gênese da insânia

Quando nos deparamos com um cruzamento e não sabemos o caminho, o que nos leva a escolher a direita em detrimento da esquerda é o acaso e talvez a nossa intuição.
A minha aventura na Índia que se encontra prestes a começar, não foi muito diferente. Concorri ao INOV Contacto (programa de estágios internacionais) com a intenção de ingressar no programa caso o país de destino se situasse na América do Norte ou na Europa Central. A entidade/empresa acolhedora era também motivo de exclusão. Muito selectivo para alguém que concorre a um programa com tamanho grau de incerteza...
A forma como nos foi anunciada a entidade acolhedora e o país de destino foi muito divertida... Num domingo solarengo iniciámos uma prova de team building dividimos por dez equipas distintas tendo que realizar dez provas. Com a conclusão de cada prova cada elemento recebia uma letra do nome da empresa onde iria estagiar. No final da manhã já sabia que a empresa onde iria estagiar era a Enabler, empresa totalmente desconhecida para mim.
No intervalo do almoço reuni-me com o outro colega que ia para a mesma empresa (e mesmo país) para pesquisarmos na internet mais informação sobre a empresa. Fiquei bastante contente com a informação que recolhi. Uma empresa criada pela Sonae adquirida recentemente por um grande grupo Indiano, Wipro, que actuava na área de implementação de soluçoes de sistemas de informação na área do retalho. O facto de a empresa operar na área do retalho e ter sedes Espanha, Itália França, Portugal, Reino Unido e Brazil... deixou-me euforico!!! Brazil desconfiava que não fosse derivado a problemas que o Aicep ja tinha enfrentado com os estágios nesse país. Receava bastante que ficasse em Espanha, pois tinha realmente vontade de uma experiência mais arrojada a nível pessoal e cultural. Comecei nesse instante as minhas diligências junto dos nossos coordenadores de estágio tentando obter o máximo de informação. Questionei o Dr. João Cunha se o país de destino seria Espanha, ele respondeu prontamente que não. Nesse momento não consegui disfarçar o meu contentamento, não conseguia parar de sorrir... O meu objectivo estava concretizado... Eu iria ficar numa boa empresa e certamente na Europa. Entretanto numa conversa perdida percebi que dois responsáveis do Aicep se referiam a dois estagiários que iriam para Itália, e pareceu-me que se referiam a mim e ao Zé Miguel... Comentei com o Zé. Parecia ter sentido... o Zé tinha feito erasmus nesse país, portanto conhecia a língua. Precipitadamente assumimos que o nosso país de destino era Itália!!! Começamos a sonhar acordados... Nas noites glamourosas que iriamos ter em Milão cruzando olhares com a beleza e sensualidade das mulheres italianas... Os sabores que iriamos degustar com as melhores pastas e pizzas do mundo, vivendo numa cidade cosmopólita onde reinam os melhores padrões da moda e design...
O que mais poderia ambicionar um jovem sem qualquer compromisso e com uma enorme vontade de retirar o máximo proveito da sua jovialidade, com motivação profissional, disponibilidade financeira e desejo de conhecimento???
Depois de todas as expectativas criadas e partilhadas com as pessoas mais próximas, chegava o momento de anunciar a classificação das provas realizadas durante a manhã e anunciar o país de destino... eu não estava ansioso... Afinal já sabia que iria para Milão... Pois bem a minha equipa ficou em primeiro lugar... parecia um dia perfeito tudo corria tão bem... até que a minha chefe de equipa abre o envolope com os destinos e eu vejo que o meu país de detino era Índia e não Itália... Fiquei naturalmente chocado... Índia... um país tão distante, tão diferente, sub-desenvolvido...Pobre com infra-estruturas péssimas... com gastronomia muito própria e diga-se de passagem nada apreciada pela minha pessoa..
Todos estes aspectos negativos dissiparam-se rapidamente com toda a euforia vivida pelo grupo e que era naturalmente contagiante... Em pouco tempo ainda fiquei mais entusiasmado com Índia do que com Itália... era uma euforia baseada na imaginação e alimentada por alguma adrenalina... Só conseguia pensar... óptimo vou ser um dos primeiros portugueses a ir para Bangalore ao abrigo do programa... que vivência cultural... que desafio... Eu vou vencer... vou conseguir eu... consigo... vou ser diferente...não ter medo do desconhecido... A alegria e euforia renasceram num ápice!!!
Quando cheguei a casa a minha mãe revivendo talvez um passado sofrido com a minha experiência nas Américas chorava pedindo que reconsiderasse e que não me precipitasse... Nessa noite fui jantar com a minha mãe e a minha irmã... Passado algumas horas de conversa sobre a Índia... eu tinha reconsiderado e chegava à conclusão que a Índia não correspondia ao meu perfil e que deveria assumir isso... Iria desistir do programa... não estava disposto a abandonar uma vida de conforto, comodidade onde o meu trabalho era valorizado por algo totalmente incerto... por uma adaptação árdua ... onde iria ter enfrentar hábitos muito diferentes e pelos quais eu à partida não nutria muita simpatia.
Na manhã seguinte sentia-me triste... perder a oportunidade de viver algo tão diferente... sentia que estava a ser demasiado preconceituoso...Nesse dia começou o meu grande dilema... Vou ou não para a Índia....
Emprego fixo numa empresa de prestígio , numa das minhas cidades de eleição, algumas paixões só alimentadas nesse mesmo local, amigos, segurança, estilo de vida...não é fácil abdicar livremente de tudo isto por algo... desconhecido... mas com factos desconcertantes... lixo, pobreza, caos, vacas, maus cheiros, problemas de saúde pública, trânsito louco, comida picante e mais picante ... disturbios digestivos.... ratos, ratazanas, mosquitos....
Pode parecer insane depois da descrição acima que eu tenha optado por passar oito meses na Índia...mas a minha curiosidade pelo mundo e a ambição de aprender todos os dias mais, de superar os meus limites era mais forte que o meu receio.
Acredito que esta experiência para o bem ou para o mal mudará a minha vida... Quero por isso partilhar com as pessoas que me são queridas, a aventura que estou prestes a iniciar... Neste blog fiacarão registados os meus oito meses (quem sabe mais) na Índia.
Tal como me disse o meu amigo Zemiguel... “evitar correr um risco é o maior de todos os riscos..”